A história de Rafaela Franchi Sampaio, advogada de 35 anos, exemplifica o caminho percorrido por milhões de brasileiros que, em busca de uma nova trajetória profissional, transformaram-se em microempreendedores individuais (MEIs). A jornada dela começou de maneira casual, quando, em meio à sua rotina como advogada, ela passou a levar marmitas para o trabalho. O reconhecimento por suas habilidades culinárias, expressado pelos elogios de colegas, foi o ponto de partida para um novo capítulo em sua vida.
“Aquilo despertou em mim a vontade de empreender pela primeira vez. Sugeri montar o cardápio da semana para uma colega e vender os almoços”, relembra a jovem. O sucesso foi tão imediato que, em pouco tempo, a advogada já acumulava uma base sólida de clientes e tomou a decisão de formalizar seu negócio como MEI. “Gostei mais de empreender do que advogar”, conta. Mesmo assim, no início, ela relutava em deixar a advocacia, temerosa de abandonar uma carreira para se arriscar na cozinha de casa. “Continuava vendendo marmitas como renda extra até que, meses depois, fui demitida. Foi o empurrão que faltava. Decidi me dedicar completamente ao meu negócio, e não me arrependo”, afirma.
Hoje, com uma operação enxuta e bem organizada, Rafaela fatura 500% a mais do que quando advogava. Sua história reflete o movimento crescente de brasileiros que encontraram no microempreendedorismo uma alternativa para transformar sua realidade. Dados do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte indicam que o número de MEIs no Brasil mais do que triplicou na última década. Em 2023, o país registrou 15,7 milhões de microempreendedores individuais, um salto significativo em relação aos 4,6 milhões de 2014.
A formalização como MEI garante aos trabalhadores uma série de benefícios, como a simplificação do processo de registro, redução de impostos, acesso a crédito e direitos previdenciários. O faturamento anual de um MEI, no entanto, não pode ultrapassar R$ 81 mil, ou cerca de R$ 6,75 mil por mês, e o microempreendedor não pode ter sócios, filiais ou mais de um funcionário. Apesar das limitações, a categoria se tornou uma saída importante para muitos brasileiros, especialmente após o impacto da pandemia da Covid-19, que gerou um aumento no desemprego e levou muitos a empreender por necessidade.
No ano passado, o número de novos cadastros atingiu um recorde, com 3,3 milhões de brasileiros se formalizando nessa modalidade, segundo o Simples Nacional. Especialistas atribuem esse crescimento a três principais fatores: a busca por mais flexibilidade e liberdade financeira; a popularização da “pejotização”, onde empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) para reduzir custos; e o aumento do desemprego, que impulsionou muitos a se tornarem empreendedores como uma alternativa de sobrevivência.
Décio Lima, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma que o baixo custo e a simplicidade no processo de formalização são atrativos para os novos empreendedores. “Hoje, o MEI paga menos de R$ 80 por mês de impostos, o que estimula as pessoas a se formalizarem”, explica. No entanto, manter o negócio é a verdadeira prova de fogo. De acordo com uma pesquisa do Sebrae, três em cada dez microempreendedores individuais encerram suas atividades em até cinco anos.
O caso da artesã Ana Paula Argolo Nascimento, de 42 anos, ilustra os desafios que muitos enfrentam. Após pedir demissão de um emprego formal uma semana antes da pandemia, ela investiu na produção de laços e tiaras, mas, com o avanço da crise sanitária, precisou adaptar seu negócio para fabricar máscaras. Inicialmente, a mudança foi um sucesso, mas, com o fim da pandemia, suas vendas despencaram. “Tentei criar novos produtos, mas as vendas nunca mais foram as mesmas”, lamenta Ana Paula, que agora concilia o trabalho de MEI com o de diarista e professora de reforço escolar.
“Não consigo mais sustentar a mim e à minha filha apenas com o que ganho como MEI.” Flávia Paixão, especialista na profissionalização de pequenos negócios, aponta que muitas pessoas idealizam o microempreendedorismo sem compreender plenamente os desafios envolvidos. “Existe uma falsa ideia de que ser MEI é sinônimo de vida tranquila, mas nem sempre é verdade. Tornar-se autônomo é fácil, o difícil é manter o negócio funcionando”, alerta. Como empreendedor é precisa acumular múltiplas funções, desde a produção do produto ou serviço até a gestão financeira e emissão de notas fiscais. Esse acúmulo de tarefas pode levar ao esgotamento e, eventualmente, ao fechamento do negócio.
A categoria de MEI foi criada em 2008 com o objetivo de formalizar trabalhadores autônomos que atuavam na informalidade, oferecendo a eles acesso a direitos previdenciários e sociais. No entanto, ao longo dos anos, o programa também se tornou uma ferramenta para a “pejotização”, onde empresas contratam trabalhadores nesta categoria para evitar os encargos trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “O programa teve grande sucesso em formalizar uma quantidade significativa de trabalhadores, proporcionando benefícios sociais e previdenciários”, comenta Bruna Alvarez, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Mas, ao mesmo tempo, a pejotização se tornou uma consequência não intencional, diminuindo a proteção social desses trabalhadores.”
A contribuição de um MEI para a Previdência Social, por exemplo, é de apenas 5% do salário-mínimo (R$ 70,60 em 2024), muito inferior às alíquotas de 7,5% a 14% pagas pelos trabalhadores formais. Essa diferença de custos leva muitas empresas a preferirem contratar prestadores de serviço como MEIs, o que inflaciona os números de microempreendedores no país, mas reduz os direitos trabalhistas desses profissionais. “O mais adequado seria que essas pessoas fossem contratadas sob o regime da CLT”, observa Alvarez, que defende uma maior fiscalização e penalidades mais severas para as empresas que utilizam essa prática de forma inadequada.
No Brasil atual, o microempreendedorismo individual tornou-se um caminho popular para milhões de pessoas, seja por escolha ou necessidade. No entanto, a jornada empreendedora é repleta de desafios e incertezas. Histórias como a de Rafaela Sampaio mostram que, com organização e perseverança, é possível transformar um negócio em sucesso. Mas, ao mesmo tempo, a experiência de Ana Paula Nascimento nos lembra que o sucesso no empreendedorismo está longe de ser garantido.